Os auxílios emergenciais evitaram que cerca de 28% da população que vive nas regiões metropolitanas brasileiras caísse na pobreza durante a pandemia de Covid-19. Em termos numéricos, isso significa que a ajuda pública preservou a renda de 23 milhões de brasileiros durante a crise econômica deflagrada pela doença.
Como houve casos em que os benefícios elevaram o ganho das famílias, ocorreu até redução da pobreza em alguns locais. Na média, a parcela mais pobre da população que mora nas 22 regiões metropolitanas do país equivalia a 19,1% no final de 2019. A taxa caiu para 15,9% em agosto de 2020.
Sem os auxílios –sobretudo o federal, mas também estatuais e municipais–, a pobreza teria crescido.
Os dados integram o segundo boletim “Desigualdade nas Metrópoles”, que considera a renda individual por média domiciliar. O primeiro estudo mostrou a queda de renda exclusiva do trabalho e o aumento da desigualdade durante a pandemia. A nova pesquisa, porém, passou a incluir não somente os dados sobre renda do trabalho, mas também a renda dos auxílios e seus feitos.
O trabalho foi desenvolvido por pesquisadores da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), do Observatório das Metrópoles, ligado ao programa INCT (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia), e do RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina).
“É muito claro que o auxílio emergencial fez efeito, na medida em que protegeu a renda dos mais vulneráveis, um dos seus principais objetivos”, afirma Salata, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-RS.
"Em alguns lugares, a pobreza chegou a cair."
Pelos critérios adotados, os pesquisadores consideram que uma pessoa vive na pobreza quando sua renda domiciliar per capita é inferior a R$ 450 por mês, mesmo critério do Banco Mundial para países como o Brasil.
Segundo o pesquisador, o efeito da ajuda pública sobre a renda foi maior onde se ganha menos.
“Pelo padrão que encontramos, e isso era esperado, os efeitos de auxílios, como o emergencial do governo federal, são mais evidentes nas metrópoles de menor renda, como as do Norte e Nordeste, onde R$ 600 representam mais, e também porque há um número maior de pessoas que atende aos critérios para entrar nos programas”, explica Salata.
Na região metropolitana de Macapá, por exemplo, 39% da população estava na pobreza em 2019. Considerando a renda adicional com os auxílios, a parcela da população que vivia na pobreza passou a ser 29,5% em agosto de 2020. Sem os auxílios e contabilizando apenas os ganhos com o trabalho em agosto, os pesquisadores identificaram que mais da metade da população local estaria na pobreza, ou 51,4%.
De acordo com a pesquisa, em 2019 havia 15,698 milhões de pessoas em situação de pobreza nas metrópoles. Em agosto de 2020, eram 13,279 milhões. Todavia, o número poderia ser de quase 23,366 milhões sem os auxílios que protegeram a renda durante a pandemia do novo coronavírus.
A pesquisa utilizou microdados de duas pesquisas do IBGE: a Pnad-Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019 e a Pnad-Covid-19 de agosto deste ano, quando se encerrou a quinta parcela do auxílio emergencial no valor de R$ 600.
Enquanto a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indica que não haverá prorrogação do auxílio, atualmente reduzido ao valor de R$ 300, a pesquisa mostra também que o programa foi capaz de reduzir a desigualdade de renda no país.
DESIGUALDADE
A medida usada para calcular a desigualdade é o Coeficiente de Gini, que vai de 0 a 1. Na escala desse indicador, 0 significa igualdade total de renda. Quanto mais próximo de 1, por sua vez, maior será a desigualdade. Assim, uma alta no Gini assinala uma piora nas condições socioeconômicas.
O estudo mostra, porém, um cenário de diminuição da desigualdade, de 0,538, em 2019, para 0,477 em agosto de 2020, uma redução de 11,3%. Sem os auxílios emergenciais, a desigualdade teria aumentado para 0,560, 17,3% maior.
“Esta simulação [cenário sem auxílio] é importante na medida em que se tem sustentado a posição de que não haverá renovação do auxílio emergencial. A simulação mostra o quão dramática será a situação da população de baixa renda a partir de janeiro”, diz Marcelo Gomes Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
“É preocupante olhar o que teria acontecido sem o auxílio. Vemos que o estado não encontrou um caminho para o que vai acontecer com o programa. Sem o auxílio emergencial, teria sido trágico. A pobreza teria aumentado muito. O governo está apostando que a renda do trabalho irá se recuperar, mas isso não parece condizente com os números da economia”, acrescenta Salata.
No Maranhão, por exemplo, a região metropolitana de São Luís viu a desigualdade diminuir. O indicador passou de 0,507 em 2019 para 0,429 em agosto deste ano. Sem os auxílios, a desigualdade teria saltado para 0,555.
Porém, a diminuição da desigualdade neste cenário não é necessariamente uma boa notícia, explicam os pesquisadores.
“A redução que verificamos nas desigualdades não se traduz em maior bem-estar para a maioria da população, mas sim a um nivelamento por baixo. E, portanto, não há quase nada a comemorar, a não ser o sucesso em evitar que os estratos mais vulneráveis fossem brutalmente atingidos pela crise. O que só foi conseguido em função dos auxílios emergenciais”, afirmam no documento.
Os mais pobres chegaram a ter um aumento de renda, mas os mais ricos perderam. Assim, o rendimento médio geral caiu nas metrópoles de R$ 1.860 para R$ 1.582, apesar dos auxílios.
“A desigualdade se mede pela distância de renda entre as pessoas. Os estratos de renda alto e médio perderam. As pessoas de renda mais baixa ganharam mais, com os auxílios, diminuindo as distâncias”, explica Ribeiro.
Entretanto, é um cenário diferente do que o Brasil viveu nos anos 2000 até 2014, explica Salata, quando o movimento era o que se pode chamar de "pró-pobre", nas palavras do pesquisador.
“Todo mundo melhorava de vida, mas o pobre melhorava mais", diz ele. "Agora, vimos uma redução de desigualdade, em vários casos, acompanhada de uma piora na renda."
E ele explica: "Temos uma crise violenta, e ela faz com que os de cima percam renda, os de baixo não percam tanto e, no caso de quem está muito embaixo, faz com que ganhe um pouco a mais, por um tempo, mas, no geral, as pessoas estão numa situação muito pior do que estavam no passado.”
Segundo os pesquisadores, a manutenção do auxílio emergencial envolve uma discussão mais ampla, passando necessariamente pela questão fiscal, já que custa aos cofres federais cerca de R$ 50 bilhões mensais. O Bolsa Família, por exemplo, custa aproximadamente R$ 30 bilhões anuais.
“O que está muito claro é que, dentro das possibilidades, é necessário uma política social para seguir auxiliando os mais vulneráveis nos próximos anos”, diz Salata.
Além disso, afirma Ribeiro, é preciso fazer um plano econômico. “Há um debate, que vai contra a perspectiva mais hegemônica do pensamento econômico, sobre a importância do Estado realizar gastos que sejam capazes de retomar uma demanda efetiva na economia, que atualmente é insuficiente, sobretudo em um cenário de crise, quando o mercado não investe”, diz Ribeiro.
“A lógica para investimento das empresas se baseia na perspectiva de rentabilidade futura. Se ela não é observada, empresários ficam com medo de realizar investimentos. É necessário que se realize gastos para reativar a economia, sobretudo na área de estrutura, porque tem um efeito multiplicador. Tem que ser algo pensando em aquecimento em curto prazo, mas também projeto de desenvolvimento econômico que permita um crescimento mais sustentável”, diz Ribeiro.
fonte: folha de sp