O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou na manhã desta terça-feira (10) que a suspensão dos testes da Coronavac, anunciada nesta segunda-feira (9) pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), causou incerteza e medo nas pessoas. A declaração foi dada em entrevista coletiva à imprensa, sem a presença do governador João Doria (PSDB).
"Fomentaram um ambiente que não é muito propício pelo fato de essa vacina ser feita em associação com a China. Fomentaram esse descrédito gratuito. A troco de quê?", questionou Covas.
A morte no dia 29 de outubro foi de um voluntário de 33 anos participante da fase 3 do ensaio da Coronavac, conforme a Folha adiantou na noite de segunda (9). Ele participava do grupo acompanhado pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
O diretor do Butantan fez questão de enfatizar que a morte não tem relação com a vacina.
Nota assinada pelo infectologista Esper Kállas, do Hospital das Clínicas da USP, não fala em morte por questões de sigilo médico, mas confirma que foi feita uma apuração sobre o incidente. "A equipe de investigadores, em análises criteriosas sobre o ocorrido, concluiu que o evento adverso não está relacionado à vacina em teste", disse.[ x ]
Ele informou que "o evento foi notificado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária nos prazos regulatórios estipulados por ambos".
Covas também disse que o Butantan foi surpreendido com um email da Anvisa às 20h40 de segunda (9) que informava sobre uma reunião na manhã desta terça e a suspensão dos testes. Segundo ele, o evento adverso grave foi reportado à Anvisa no último dia 6 e seria mais "justo, ético e comprensível" se eles entrassem em contato com os pesquisadores antes da interrupção.
Questionado sobre se a Anvisa estaria agindo sob influência ideológica, Covas disse que acredita que a agência é "técnica e independente". "Se este episódio representa alguma mudança, não creio e não quero acreditar nisso. Vou atribuir isso [a suspenssão] a uma dificuldade de comunicação ou preocupação exagerada."
Na segunda-feira à noite, após o anúncio da Anvisa, Covas afirmou que, entre os milhares de participantes do estudo, podem ocorrer mortes por causas não relacionadas à vacina, como acidentes de trânsito. Em estudos de drogas e vacinas, mesmo esses tipos de acidentes precisam ser relatados.
"Nós até estranhamos um pouco essa decisão da Anvisa porque é um óbito não relacionado à vacina", disse ele ao Jornal da Cultura.
A Coronavac se mostrou segura em seu teste da chamada fase 3 (a última antes da aprovação) em 50 mil voluntários na China. Segundo estudo, houve apenas 5,36% de efeitos colaterais nos participantes do ensaio, todos sem gravidade: dor no local da aplicação (3,08%), fadiga (1,53%) e febre leve (0,21%). Os restantes tiveram perda de apetite, dor de cabeça e febre.
A vacina é testada em dez países. O laboratório Sinovac disse ter "confiança" em sua vacina, apesar da suspensão dos testes no Brasil.
GUERRA DAS VACINAS
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já protagonizou com Doria outros choques sobre a vacina em desenvolvimento pela parceria sino-brasileira. O governador é considerado pelo Palácio do Planalto um potencial adversário nas eleições presidenciais de 2022.
Em outubro, Bolsonaro esvaziou o acordo anunciado na véspera por seu ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. "NÃO SERÁ COMPRADA", escreveu Bolsonaro em letras maiúsculas em uma rede social ao responder a um internauta que alegara querer ter "um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa".
O presidente também disse que não acreditava que a Coronavac transmitisse credibilidade porque "esse vírus [Covid-19] teria nascido" na China, afirmou.
Na ocasião, Doria respondeu que seria criminosa a atitude de Bolsonaro de negar acesso a qualquer vacina aprovada pela Anvisa contra a Covid-19.
Em outro episódio, Bolsonaro investiu contra Doria pelo fato de o tucano ter defendido vacinação obrigatória contra o coronavírus em São Paulo.
Nesta terça (10), o presidente comemorou a suspensão dos estudos clínicos da Coronavac no Brasil e disse que o episódio é "mais uma que Jair Bolsonaro ganha".
"Esta é a vacina que o [governador João] Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la", escreveu no Facebook. "O presidente [Bolsonaro] disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha."
Outros estudos de vacinas contra a Covid-19 já foram interrompidos, incluindo o da Universidade de Oxford (Reino Unido) com a AstraZeneca, com a qual o governo federal tem acordo, e o da empresa Janssen-Cilag (divisão farmacêutica da Johnson & Johnson). Ambos foram retomados após análises descartarem uma relação entre as imunizações e os eventos adversos.
fonte: Folha de São Paulo